Jogo rápido
Os cidadãos gastam mais com restaurantes do que em supermercados
Por esse motivo, os restaurantes podem ser influentes na transição para uma economia circular dos alimentos
Três restaurantes de Helsinki abordam isso de diferentes maneiras
Quais são as entregas chaves para a indústria de restaurantes?
Um setor que está pronto para uma transformação positiva
Um dos prazeres da vida urbana é a ampla opção de restaurantes disponível. Em grandes cidades, como Nova Iorque e Londres, há um restaurante ou café para cada 30 pessoas. As evidências sugerem que a popularidade de restaurantes está crescendo constantemente. Em maio de 2015, de acordo com pesquisa dos Estados Unidos, pela primeira vez na história da humanidade, o gasto mundial com restaurantes superou a compra de alimentos em mercados. Em termos econômicos, a indústria mundial dos restaurantes foi estimada em 5% de toda a economia global.
Dado o seu tamanho e a sua natureza, a indústria dos restaurantes é sedenta por recursos e gera grandes volumes de resíduos. Os recursos utilizados incluem tanto ingredientes alimentares quando equipamentos técnicos, água e energia. Os resíduos incluem sobras de comida assim como embalagens e resíduos de processos e estruturais (recursos subutilizados). De acordo com relatório recente da WRAP, no Reino Unido, cerca de 1,5 milhões de toneladas de resíduos é gerada pelo setor de hotelaria e serviços alimentares todos os anos, dos quais cerca de 40% é resíduo orgânico. Isso corresponde a um custo médio de 10.000 libras por saída, o que no setor de restaurantes e bares se acrescenta a uma perda econômica de mais de 1 bilhão de libras.
Os benefícios de reduzir perdas na indústria de alimentos foram analisados no relatório de 2015 da McKinsey/Sitra chamado The opportunities of a circular economy in Finland (As oportunidades de uma economia circular na Finlândia. O estudo identificou várias abordagens diferentes para endereçar o problema, dos quais 20% estão associados aos restaurantes. Intervenções potenciais incluem aplicativos que facilitam a redistribuição de alimentos não consumidos como o TooGoodtoGo; mudanças culturais de mentalidade, como no uso de sacolas para levar a comida não consumida para casa/ e a tecnologia digital em cozinhas que mensuram e analisam o desperdício, permitindo que os chefes tomem decisões de compra mais inteligentes, como o Winnow e LeanPath.
O gerenciamento e a redução efetiva dos resíduos são passos importantes para a economia urbana e para o meio ambiente. No entanto, a economia circular assume uma perspectiva mais sistêmica, na qual o conceito de resíduo é eliminado. No seu lugar, os materiais orgânicos descartados são vistos como insumos valiosos, passando por diversos estágios de uma economia circular dos alimentos e eventualmente fechando o ciclo e voltando para o solo.
Em Helsinki, três restaurantes pioneiros tentaram incorporar os princípios circulares ao design e às operações dos seus negócios. A questão é: como podemos aplicar essas lições para uma indústria mais ampla?
Ultima - alta tecnologia e hiperlocal
O chefe finlandês e radialista Henri Alen está confortável em experimentar novas ideias culinárias. Seu restaurante anterior, Finnjavel, teve uma vida de, literalmente, 730 dias para forçá-lo a repensar a comida de modo a se adequar ao ritmo de mudanças do mundo.
O último empreendimento do Henri nasceu da sua mentalidade de adaptação e reinvenção. Lançado em maio de 2018, o restaurante Ultima tem o intuito de ser uma etapa para experimentação e exploração do que a produção e o consumo de alimentos poderia ser no futuro. A pergunta que está na essência da Ultima é: podemos trazer as fazendas para as cidades? Esta questão surgiu da experiência da Finnjavel, que apesar de ter sucesso na utilização de ingredientes locais e sazonais, ainda gerava resíduos de embalagens, impactos no transporte e outros potenciais efeitos negativos. Ao cultivar ingredientes nas instalações do restaurante, esses impactos poderiam ser resolvidos.
Hiper-local e alta tecnologia são as duas palavras-chave para Ultima. O edifício restaurante funciona tanto como um espaço de alimentação, como um laboratório produtivo para sistemas de cultivo hidropônico e aeropônico, agricultura de insetos usando resíduos de preparação de alimentos, cultivo de cogumelos em grãos de café, cultivo de algas e outros métodos inovadores de produção de alimentos.
"Coisas novas podem ser assustadoras para as pessoas," diz o chef Henri que, com o suporte do fundo finlandês Sitra de inovação, está empenhado em fazer com que o exemplo do Ultima possa mitigar os riscos que futuros restauranteurs experimentariam com a nova e não testada tecnologia por meio da experimentação com vistas a descobrir armadilhas e a otimização no uso da tecnologia. Como Anthony Bourdain observou: "Sem uma mentalidade de experimentação, uma vontade de fazer perguntas e tentar coisas novas, nada pode mudar para melhor." Enquanto pioneiros da produção de alimentos em ambientes fechados dentro do prédio de um restaurante, a equipe por trás do Ultima pode ficar feliz, pois eles estão vivendo de acordo com esse ideal.
Nolla - ideologia resíduo zero
Após saber do chef dinamarquês, Matt Orlando, que os restaurantes europeus produzem em média 70.000 quilos de resíduos por ano, três amigos chefes - Carlos Henriques, Luka Balac e Albert Sunyer - decidiram desafiar as convenções existentes de gestão de resíduos no setor de restaurantes abrindo, em 2018, um restaurante que funciona totalmente sem lixeiras. Nolla, que significa 'zero; em finlandês, se refere à ideologia lixo zero que permeia todos os aspectos do design e operação do restaurante. Chef Carlos foi o mais cético entre todos de que isso poderia funcionar, mas a sua opinião rapidamente mudou quando ele viu que "após duas semanas aberto, nós reduzimos nosso desperdício em 80%".
A equipe do Nolla aborda a ideia principal de eliminar o desperdício e os resíduos de várias formas. Os ingredientes são adquiridos de produtores locais que estão alinhados à visão do Nolla ou foram convencidos por ela. Dessa forma, nenhuma embalagem de uso único entra nas dependências do restaurante. Não há lixeiras convencionais. O desperdício de comida é direcionado à máquina de compostagem Oklin que, através da trituração, semeadura de micróbios e controle de temperatura, transforma os restos orgânicos do restaurante em material enriquecedor para o solo. Esse "material do solo" é então devolvido aos fornecedores para voltar às fazendas e áreas de produção.
Essa filosofia lixo zero não se aplica apenas aos alimentos. O interior do restaurante, louça e vidraria, e até os guardanapos foram cuidadosamente selecionados, pois são feitos de materiais reutilizados ou reciclados. Por exemplo, as cadeiras são feitas de retalhos da indústria de exibição; o óleo de cozinha é entregue em containers reutilizáveis de 200 litros; e os guardanapos são feitos de plástico reciclado.
Uma consequência positiva, mas não planejada, de adotar essa filosofia é a forma como a atitude 'lixo zero' tem se espalhado para atores chaves dos restaurantes. Chef Luka cita o exemplo relacionado ao app Havikkimestari - tecnologia que eles usam na cozinha para reunir dados para tomar melhores decisões sobre a compra de alimentos. Para um dos clientes desse aplicativo, a tecnologia não apenas economizou € 20.000 nas sete cozinhas em que foi instalado, como também influenciou os hábitos pessoais dos trabalhadores das cantinas, que se tornaram mais conscientes e ajustaram os seus próprios hábitos pessoais em relação ao desperdício. Essa mudança positiva de mentalidade pode ser vista tanto na equipe de funcionários quanto nos fornecedores. Após tomar conhecimento sobre as ambições do Nolla, um dos fornecedores de vinho catalão do restaurante redesenhou as suas etiquetas para eliminar o plástico de uso único de todas as suas garrafas. Esse é um claro exemplo de como uma missão e ambição positivas podem ser contagiantes.
"Todos nós deveríamos poupar dinheiro ou fazer dinheiro,"argumenta o chef Carlos, enquanto fala sobre o potencial de ganhos para todos os envolvidos que está no centro da filosofia do Nolla. Para que uma ideia seja bem-sucedida e seja escalada, os restaurantes precisam ser economicamente viáveis. Quando perguntado sobre como resumir o que os três amigos estão tentando alcançar, a resposta imediata é: "servir uma ótima comida e fazer dinheiro, mas à maneira da economia circular."
Loop - redefinindo 'resíduo'
De acordo com o Instituto de Recursos Naturais na Finlândia, resíduos alimentares pré-consumido de mercearias, supermercados e produtores somam 65 milhões de quilos por ano. Uma pequena proporção (10-15%) é distribuída como ajuda alimentar, mas a maior parte é incinerar ou vai parar nos aterros sanitários. Toda essa comida é perfeitamente consumível, mas foi retirada da cadeia de suprimento por razões estéticas ou convenções de rotulagem. O resultado é não apenas um desperdício de recursos e emissões de carbono como também uma perda econômica de mais de €200 milhões.
O Restaurant Loop foi estabelecido para concretizar as oportunidades oferecidas pela mudança de percepção sobre o excedente alimentar. A fundadora do restaurante, Johanna Kohvakka, estabeleceu parcerias com seis fornecedores / supermercados ao redor da cidade que desviam 600 quilos de comida por dia para as operações do Restaurant Loop. Uma vez na cozinha, os chefs transformam os ingredientes em comida de refeitório de alta qualidade, refeições gourmet, e mesmo sorvetes artesanais - todos inspirados pela disponibilidade de diferentes tipos de comida. Qualquer alimento consumível que restar é enviado a instituições de caridade, enquanto os restos inevitáveis de comida são compostados.
"Se eu tivesse uma varinha mágica e pudesse mudar uma só coisa sobre o sistema atual,"diz o cofundador Satu Vaino, "seria fazer as pessoas terem mais respeito pela comida e pelos recursos necessários para produzir os alimentos." Ela então lança um desafio para outros restaurantes: "Olhe para as lojas próximas, veja o que elas estão jogando fora. Comece por perto, busque parcerias locais, procure passos simples de criar uma economia circular dos alimentos."
O que mais os chefs de restaurantes podem fazer?
Experimentar em restaurantes pequenos e independentes é uma proposta completamente diferente de provocar a mudança em uma grande cadeia de restaurantes onde os sistemas e as cadeias de suprimento estão firmemente estabelecidas, onde a equipe de colaboradores foi treinada para tarefas específicas, requer-se consistência ao longo de centenas, milhares de locais e onde evitar o prejuízo reputacional é primordial. Grandes operações de buffet requerem uma abordagem diferente para se tornarem circulares. Organizações com a britânica Sustainable Restaurants Association (SRA) (Associação dos Restaurantes Sustentáveis, em português), que, com seu modelo de sustentabilidade e uma vasta rede de atores do serviço alimentar, têm sido fundamentais para ajudar a replicar e escalar ideias ao nível das operações. IKEA, um membro da rede CE100, da Fundação Ellen MacArthur, demonstra como isso poderia ser na prática.
A IKEA tem aproximadamente 400 lojas em quase 50 países. Seus restaurantes alimentam cerca de 660 milhões de pessoas todos os anos e servem aproximadamente 2 milhões de almôndegas todos os dias. A gigante suíça dos móveis tem uma série de diferentes abordagens para melhorar os resultados de saúde e circularidade do seu negócio de alimentos. Inovação na escolha de ingredientes assim como a criação de versões alternativas de clássicos já estabelecidos, como o icônico sanduíche de almôndega ou o cachorro quente é uma das alavancas que eles usam. O principal desafio é atingir ou superar o sabor do original, mas usar ingredientes como lentilhas, cenouras, couve e quinoa, que são melhores para a saúde dos consumidores a ajudam as fontes de produção alimentar a se manterem dentro dos limites do planeta com relação a assuntos chaves como as emissões de dióxido de carbono, a poluição química, biodiversidade, etc.
Outra ferramenta associada a grandes operações de buffet é a compra de energia. Compras em grande volume podem ser usadas como uma força poderosa se houver um compromisso de base de comprar ingredientes que são produzidos de maneira regenerativa e justa. Vários esquemas de certificação independentes foram estabelecidos para encorajar essas práticas, incluindo a UTZ/Rainforest Alliance para café, chá e cacau ou a certificação Marine Stewardship Council (MSC) para frutos do mar.
Finalmente, há o uso de tecnologia, manifestado de várias formas como a redistribuição de alimentos comestíveis, facilitação de sistemas de precificação inteligente ou a provisão de sistemas simples de mensuração e monitoramento. Um desses sistemas é o Winnow - um software de monitoramento e análise de desperdício de comida que foi instalado em 35% das cozinhas da IKEA, levando a estimadas 1 milhões de refeições economizadas dentro de apenas alguns meses. Como um bônus inesperado, 50% dos trabalhadores dos refeitórios expostos a essa tecnologia se inspiraram a reduzir o desperdício de comida em casa.
A última palavra deve ir para o chef filósofo Dan Barbar, chef no Blue Hill em Stone Barns, Massachusetts, e autor de O terceiro prato: Notas de campo sobre o futuro da comida. No mundo de Barber, o restaurante é uma máquina que pode aprimorar os solos, regenerar terras agrícolas e liberar sabor. Alguns anos atrás, ele voltou à fazenda dos seus avós após quase duas décadas e observou uma redução precipitada na fertilidade do solo, devido a um fluxo linear de nutrientes resultante de uma colheita ano-a-ano de feno.
Barber começou a restaurar a saúde do solo por meio da introdução de animais, rotação de cultura e outras práticas agrícolas regenerativas. O alimento que foi cultivado como um coproduto da melhoria do solo e de um gerenciamento melhor da terra agrícola determinou o que seria incorporado e preparado nos seus restaurantes. Por exemplo, introduzir cabras para para impedir a invasão das florestas circundante significou que, logo depois, encontrava-se ombro de cabra assado no menu. Essa filosofia também levou à criação de pratos inovadores com cultivos como centeio, que é tradicionalmente associada à ciclagem de nutrientes, em vez de cultivo de alimentos.
Barber está convencido de que a saúde do solo se traduz em ótimos sabores, então as operações do seu restaurante são desenhadas em torno da regeneração do solo. Na sua opinião, é muito simples: "Apoiar a melhoria constante de todo o sistema é o objetivo, e isso leva a um sabor melhor."
Pontos principais
Uma mentalidade positiva pode ser contagiante! Esforçar-se para ser circular pode ser um grande motivador para a equipe de funcionários e para os fornecedores, gerando impacto para além do ambiente de trabalho.
Existe tecnologia para converter os resíduos da cozinha em potenciador do solo sem ocupar muito espaço e em um curto período de tempo.
Fornecedores estão dispostos a participar dessa jornada com você, se você contar uma boa história e compartilhar os benefícios.
Há enormes quantidades de ingredientes "excedentes", por toda a cidade, se você estiver disposto a ser flexível e estabelecer uma colaboração com varejistas e produtores.
Converse com as pessoas da indústria. Todos que introduziram novas tecnologias ou práticas terão dicas ou conselhos sobre o que deu certo e o que eles fariam no futuro. Compartilhar aprendizado é uma das fontes e informação mais úteis.
Novas tecnologias e abordagens tornam o cultivo de alimento em restaurantes cada vez mais viável, o que leva ao máximo de frescor e elimina os impactos da embalagem e do transporte.
Ao separar resíduo de processo de resíduo alimentar, os restaurantes podem maximizar a captura de valor das fontes orgânicas e exercerem um papel significativo em fechar o ciclo de nutrientes devolvendo-os às fazendas.
Uma tecnologia simples instalada na cozinha, como uma balança sob as lixeiras pode aumentar a consciência e permitir que sejam tomadas melhores decisões de compra.
Chefs têm uma importante influência enquanto designers de alimento com a criação de refeições inovadoras e deliciosas, usando novos ingredientes que constroem sistemas naturais e sociais saudáveis.
Grandes operações e buffets podem inovar, usar seu significativo poder de compra e instalar tecnologias importantes que trazem mudanças.
Outros materiais relevantes:
Food Made Good - uma iniciativa da Sustainable Restaurant Association
The Chef's Manifesto - parte do hub SDG2