Ao longo dos cinco anos que se passaram desde a adoção do Acordo de Paris, foram assumidos compromissos significativos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa provenientes da energia. Mas essa é apenas uma parte da equação.
Para atingir o zero líquido até 2050, precisamos mudar a maneira como fabricamos e usamos produtos, materiais e alimentos. Precisamos de uma economia circular.
Há cinco anos, as nações do mundo se reuniram em Le Bourget, perto de Paris, para discutir, esboçar e adotar o que ficou conhecido desde então como Acordo de Paris. O documento, assinado por 196 países até o momento, tornou-se o primeiro consenso global sobre a necessidade de tratar os impactos devastadores das mudanças climáticas. Os signatários se comprometem a manter o aquecimento global abaixo de 2°C, um feito que exige uma colaboração sem precedentes.
Em que ponto estamos agora, cinco anos depois?
Cerca de 192 países, responsáveis por 96% das emissões globais de gases de efeito estufa, apresentaram planos (chamados contribuições nacionalmente determinadas ou NDCs, na sigla em inglês) para reduzir suas emissões. Enquanto isso, à medida que as evidências do custo da inação se acumulam, governos locais, empresas e o setor financeiro também começam a se mobilizar. Em menos de um ano, e apesar da pandemia de Covid-19, o número de promessas de zero líquido de cidades, regiões e empresas praticamente dobrou, chegando a mais de 2.500 até outubro de 2020.
Somente no segundo semestre de 2020, a China prometeu atingir o zero líquido até 2060 e colocar suas emissões em uma tendência de queda a partir de 2030; a administração Biden, ainda em fase inicial, prometeu trazer os EUA de volta ao Acordo de Paris; a UE continuou a avançar na aprovação da primeira Lei Europeia do Clima, que tornará obrigatória a neutralidade climática até 2050 em todo o bloco; e o Governo do Reino Unido prometeu recentemente reduzir suas emissões em 68% até 2030, em relação aos níveis de 1990.
A análise das tendências globais aponta para um crescimento expressivo da produção de energia renovável, em particular a eólica e a solar, para mais eficiência energética em edificações e indústrias e para o aumento do número de veículos elétricos. Em paralelo, a captura, o armazenamento e a utilização de carbono e hidrogênio verde são identificadas como tecnologias capazes de ajudar a compensar as emissões industriais que outras medidas não dão conta de reduzir.
O cenário parece positivo, mas, embora as bases para um futuro com emissões líquidas zero tenham sido estabelecidas, o nível de gases de efeito estufa na atmosfera continua subindo. Antes dos bloqueios impostos em 2020 por conta da pandemia, a quantidade de CO2 na atmosfera era a mais alta em mais de 800 mil anos. Já ultrapassamos o limiar de 1°C de aquecimento global em relação aos níveis pré-industriais, o que tem provocado eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes que causam estragos em comunidades e ecossistemas em todo o mundo. Colocar em prática os planos e compromissos climáticos anunciados recentemente é uma questão de extrema urgência.
É importante ressaltar que a maior parte desses planos têm como foco a redução das emissões do setor de energia, negligenciando uma importante variável nessa equação: as emissões decorrentes da produção e consumo de bens e alimentos.
Com a tecnologia existente, e que deve ser ampliada até 2050, a energia renovável e a eficiência energética poderão tratar 55% das emissões globais de gases de efeito estufa atuais – provenientes de sistemas de fornecimento de energia e do consumo de energia em edificações e transportes. As demais emissões são geradas pela forma como fabricamos, usamos e descartamos produtos, materiais e alimentos. Vêm da indústria, da agricultura e do uso da terra – setores que concentram alguns processos intensivos em emissões, como processos químicos para fabricação de cimento, processos de alta temperatura (como fundição de metais), aterros sanitários, incineração, desmatamento, mudança de uso da terra e agricultura. Combater esses 45% restantes das emissões requer uma revisão de como projetamos, fabricamos e usamos produtos e materiais e da forma como usamos a terra.
Os debates e ações focados em energia renovável e eficiência energética são consideravelmente mais avançados do que para essas outras áreas – e essa é uma oportunidade perdida para governos e empresas. Precisamos abordar todas as fontes de emissões de gases de efeito estufa, e é aí que entra a economia circular. Aplicar estratégias de economia circular para os cinco materiais mais comuns em nossa economia – cimento, alumínio, aço, plásticos e alimentos – pode eliminar quase metade das emissões restantes. Estamos falando de 9,3 bilhões de toneladas de CO2e até 2050, o equivalente a todas as emissões globais atuais do setor de transportes. As promessas e avanços feitos até o momento apresentam uma oportunidade de incorporar princípios da economia circular nos planos de ação climática e, assim, completar a figura.
Antes da Covid-19, crescia o consenso de que a economia circular era um caminho para a prosperidade em longo prazo. Em vez de tirar a economia circular da pauta, a pandemia tornou o tópico ainda mais relevante. Ao evidenciar a fragilidade do sistema atual, a pandemia reforçou a necessidade de repensar nosso modelo econômico. Além de fornecer um quadro claro para ajudar a alcançar os objetivos do Acordo de Paris, a economia circular pode proporcionar uma recuperação econômica resiliente e de longo prazo, diferente de qualquer plano baseado nos princípios da economia linear atual, baseada em extrair-produzir-desperdiçar. A economia circular pode aumentar a resiliência da indústria e da sociedade a abalos futuros – uma capacidade valiosa para muito além do momento que vivemos hoje.
Outros atores também pensam dessa forma. A economia circular está nas pautas de algumas das maiores empresas do mundo, incluindo as responsáveis por 20% das embalagens plásticas usadas no planeta, que assinaram o Compromisso Global de colocar em prática uma economia circular para os plásticos. Governos de todo o mundo estão tomando medidas para facilitar a transição por meio da legislação, especialmente a UE, onde a economia circular é um dos elementos fundamentais do Acordo Ecológico Europeu e um novo plano de ação de economia circular foi adotado.
A economia circular oferece um caminho atrativo, pois cria valor e crescimento de formas que beneficiam clientes, empresas, sociedade e meio ambiente. Trata-se de uma estrutura de soluções sistêmicas com três princípios, orientada pelo design e pela inovação: eliminar resíduos e poluição, manter produtos e materiais em uso e regenerar sistemas naturais.
Por exemplo, manter os materiais de construção em uso pode reduzir substancialmente o impacto climático do setor. O processamento de agregados reciclados gera 40% menos emissões de gases de efeito estufa do que os agregados virgens. No setor de transportes, os sistemas de mobilidade multimodal, se também forem projetados para ter durabilidade, podem reduzir as emissões globais de CO2 em 70% – ou 400 milhões de toneladas de CO2 até 2040. No sistema alimentar, a aplicação dos princípios da economia circular pode reduzir as emissões anuais de gases de efeito estufa em 4,3 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, comparável a tirar das ruas permanentemente quase todos os 1 bilhão de carros que circulam pelo mundo.
Agora pode ser um momento crucial para incorporar princípios da economia circular nas NDCs governamentais. Com a pandemia, o papel dos governos e dos órgãos públicos cresceu a uma taxa sem precedentes – pelo menos em se tratando de tempos de paz. A grande escala dos gastos governamentais e a visibilidade do Estado em assumir o controle de muitos aspectos da vida pública poderiam resultar em uma aceitação pública mais ampla da intervenção governamental. Se esse movimento for acompanhado de uma maior conscientização do público sobre a ameaça das mudanças climáticas, o resultado pode ser tanto o poder quanto a vontade política dos governos para fazer as mudanças necessárias em nossa trajetória climática global.
Ou seja, acordos internacionais como o Acordo de Paris podem ter mais peso do que nunca. Portanto, a fim de combater as mudanças climáticas de forma holística e agir não apenas em relação à transição e eficiência energética, mas considerando todo o espectro de emissões, é preciso colocar a economia circular no centro dos esforço.
O aniversário de cinco anos do Acordo de Paris não poderia se dar em um momento mais propício. Com as vacinas para a Covid-19 sendo distribuídas e as nações ao redor do mundo clamando para se recuperar do choque econômico da pandemia, o momento é favorável para uma reformulação do sistema. As velhas formas de fazer negócios – altamente dependentes de extração, resíduos, poluição e perda de habitat – devem ficar no passado. A mudança para uma economia circular, com emissões líquidas zero, vem ganhando impulso ao longo dos últimos anos e pode ser acelerada em uma revisão completa do sistema. Com o botão de reset firmemente pressionado sobre a economia global, agora pode ser a nossa chance de mudar as coisas e estabelecer as bases de um sistema novo e melhor, capaz de prosperarem longo prazo.