O problema da poluição por plásticos já está bem documentado. Ao fazer essa pesquisa no Google, você obtém cerca de 180 milhões de resultados em menos de um segundo. Este não é um artigo sobre poluição por plásticos. É um artigo sobre soluções.
Hoje, sabemos que o caminho para sair desse problema não passa pela reciclagem – não conseguimos retirar os plásticos do oceano no mesmo ritmo em que colocamos. Enterrá-los não é uma solução eficaz a longo prazo e queimá-los é simplesmente um desperdício – sem mencionar que é um processo altamente poluente. Portanto, precisamos olhar para esse problema de uma forma diferente. Em vez de tentar descobrir como lidar com tantos resíduos, precisamos impedir que sejam criados.
A resposta – alerta de spoiler! – é a economia circular. Para os plásticos, isso significa eliminar os plásticos desnecessários, reutilizar todos os que pudermos por meio de novos modelos de negócios e circular os restantes. Não há dúvida de que o plástico é um material útil e versátil, mas atualmente descartamos de USD 80 bilhões a USD 120 bilhões por ano em plásticos. Se mantivermos esses plásticos na economia, também os manteremos fora do meio ambiente.
Para conseguir isso, precisamos repensar a maneira como fabricamos e usamos os plásticos. Isso significa canalizar nossos esforços de inovação no sentido upstream, para a fase de design. Design é a palavra-chave aqui. Temos de eliminar resíduos e poluição desde o início.
Para isso, precisamos ir além dos ajustes incrementais nas embalagens descartáveis e repensar todas as partes do sistema dos plásticos. Precisamos descartar o livro de regras usado até aqui e ousar reformular a economia – por meio da inovação na origem. Isso implica repensar produtos, embalagens e modelos de negócios para colocar em prática as três estratégias da economia circular: eliminação de resíduos, reúso e circulação de materiais.
Repensando o produto
Eliminar resíduos desde o início repensando o produto pode significar reimaginar o próprio conceito do produto, avaliando a forma como é feito e se o mesmo valor pode ser entregue em um tamanho ou formato diferente. Inovar da etapa de design pode alterar os atributos das embalagens, mantendo ou até melhorando a experiência do usuário, ou até mesmo torná-las desnecessárias. Também é possível mudar o tipo de embalagem utilizada, priorizando opções reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis.
A Lush Cosmetics, por exemplo, promoveu a inovação na origem para eliminar os resíduos de embalagens desde o início. Ao substituir pelo formato sólido cosméticos e produtos de cuidados pessoais antes comercializados na forma líquida, como xampus e sabonetes, a Lush eliminou a necessidade de frascos, recipientes e tubos para muitos de seus produtos. Desde 2007, a empresa vendeu mais de 38 milhões de barras de xampu nuas em todo o mundo, evitando a produção de mais de 90 milhões de frascos de xampu.
O redesenho do produto, porém, não precisa ser tão radical – pode ser simplesmente uma abordagem focada em eliminar a necessidade de embalagem. No caso da Samsung, por exemplo, os designers perceberam que, se utilizassem nos carregadores um acabamento fosco em vez de brilhante, essa mudança eliminaria a necessidade de uma película protetora na embalagem.
Repensando a embalagem
Repensar a embalagem implica repensar o conceito, o formato, os componentes e a escolha de materiais das embalagens. Esse pode ser outro caminho para eliminar resíduos desde o início, mas mantendo a função original da embalagem. Para tanto, é possível optar por formatos recicláveis ou usar novos materiais inovadores, como revestimentos comestíveis em alimentos frescos ou embalagens solúveis.
O HolyGrail é um exemplo. O projeto trouxe uma solução inovadora para embalagens capaz de ajudar na circulação de materiais. A inovação permite incorporar marcas d'água imperceptíveis na embalagem, sendo possível cobrir toda a superfície da embalagem sem afetar a arte ou os rótulos. As marcas d 'água, que podem ser detectadas por câmeras de alta resolução, fornecem informações digitais, como a composição do material. Essa é uma inovação upstream que permite que as etapas posteriores, de coleta, triagem e reciclagem, funcionem de forma mais eficiente e produzam material reciclado de maior qualidade.
A Coca-Cola Company na América Latina utilizou a inovação upstream no nível de embalagem para projetar garrafas reutilizáveis. Ao criar uma garrafa PET reutilizável, com um design padronizado para as diferentes marcas da Coca-Cola, a empresa pode coletar as garrafas usadas de todas as marcas, levá-las de volta às instalações de envasamento, remover os rótulos, lavar as garrafas, reabastecê-las e reutilizá-las com um novo rótulo. Projetar um modelo de garrafa que permite o reúso evitou a produção de 1,8 bilhão de garrafas descartáveis na América Latina em 2019.
Repensando o modelo de negócios
Também é possível promover a inovação upstream no design do sistema, o que implica analisar modelos de entrega, cadeias de abastecimento, locais de produção e fluxos de receita. Repensar as etapas do modelo de negócios, assim como no caso de repensar o produto, pode resultar em mudanças nos atributos das embalagens.
Um bom exemplo é o mobiliário da Opendesk. Ao repensar o modelo de negócios tradicional, a Opendesk criou uma empresa global com produção localizada – ela vende o design em vez dos móveis físicos. Trata-se de uma plataforma global reunindo designers independentes em todo o mundo para criar designs compartilháveis, disponíveis para download. A plataforma também conecta os clientes aos fabricantes locais, que fazem os móveis sob encomenda. Dessa forma, não há envios a partir de longas distâncias, os prazos de entrega são mais curtos e há apenas uma etapa na entrega. Além disso, sempre que possível são usados cobertores reutilizáveis para embalar os móveis, eliminando a necessidade de filme plástico e papelão, materiais usados nos modelos tradicionais de transporte e armazenamento.
Outro exemplo de modelo de negócios inovador que elimina embalagens de transporte é a Infarm – um modelo de produção hiperlocal para fornecer produtos frescos, como ervas e folhas verdes. O produto é cultivado diretamente na loja, em “fazendas” modulares e inteligentes. A empresa instala as fazendas e as controla e monitora de forma remota, usando uma tecnologia baseada em nuvem. A estratégia da cadeia de abastecimento hiperlocal permite que os clientes comprem produtos recém-colhidos, que permanecem frescos por mais tempo. O modelo ajuda a reduzir o desperdício de alimentos e elimina a necessidade de embalagem. Atualmente, já são mais de 900 fazendas instaladas em lojas, restaurantes e centros de distribuição no Japão, Estados Unidos, Canadá e Europa.
Benefícios comerciais da inovação na origem
Além de ser uma forma eficaz de combater a poluição por plásticos, promover a inovação na origem para consolidar uma economia circular traz uma série de outros benefícios para as empresas. Em primeiro lugar, pode ajudá-las a fornecer as soluções que os clientes exigem. A poluição por plásticos tem atraído a atenção do público e, cada vez mais, os clientes são capazes de distinguir entre soluções reais e manobras "verdes" de marketing. É do interesse das empresas satisfazer as exigências desse mercado em evolução e não ficar para trás. Além disso, governos de todo o mundo têm adotado legislações para combater os resíduos plásticos. É vantajoso para as empresas agir com antecedência, evitando mudanças obrigatórias de última hora por conta das novas regulamentações.
Além de contribuir para a adaptação a um mercado em mudança, promover a inovação upstream para desenvolver novas maneiras de fornecer produtos pode trazer economia de custos, aumentar a fidelidade e a conveniência dos clientes. Também pode ajudar as marcas a atingirem suas metas de emissões, uma vez que eliminar resíduos desde o início muitas vezes elimina também as emissões de carbono.
Por fim, à medida que os esforços para combater os resíduos plásticos se intensificam, é cada vez mais importante para as empresas desenvolver esforços visíveis na área – é melhor ser vista como pioneira do que como atrasada. Por meio do Compromisso Global e da rede do Pacto do Plástico, mais de mil organizações de todo o mundo, incluindo empresas que juntas são responsáveis por mais de 20% das embalagens plásticas globalmente, uniram-se em torno da visão comum da Fundação Ellen MacArthur de uma economia circular para plásticos.
A Fundação Ellen MacArthur acaba de lançar um guia de inovação na origem que apresenta uma série de recomendações práticas para as empresas. O material reúne mais de 100 exemplos reais de empresas que adotaram práticas de inovação upstream para aplicar as estratégias da economia circular. Leia Inovação na origem: um guia para soluções de embalagem.