Pode ser difícil navegar entre os desafios de design – complexos, sistêmicos e em constante evolução. Três ações complementares podem guiar a aplicação do design circular:
Visão micro e visão macro: projetar considerando o contexto
Ampliar o escopo da geração de valor
Evoluir a partir de feedbacks contínuos
Visão micro e visão macro: projetar considerando o contexto
No design circular, podemos variar entre a visão micro e a visão macro a partir de três lentes de sistema diferentes, mas interconectadas:
Indivíduo <> Sociedade
Ambiente local <> Ecossistemas globais
Troca de valor singular <> Sistemas econômicos
Considere o cenário mais amplo. Variar entre a visão micro e a visão macro desse dado cenário através de diferentes lentes ajuda a desenvolver uma maior consciência contextual do sistema dentro do qual e para o qual estamos projetando. Observar tanto o todo quanto os detalhes pode revelar a origem de um problema e é uma forma de avaliar continuamente os impactos atuais e futuros, sejam positivos ou negativos, das decisões de design.
Em uma economia linear, o design normalmente é um processo isolado, focado apenas nas necessidades de curto prazo da empresa e do cliente, enquanto impactos sociais, ambientais e econômicos são externalizados. Em uma economia circular, as decisões de design levam em consideração o sistema como um todo por um longo período de tempo.
Ligue os Pontos, São Paulo
Visão micro e visão macro
Um exemplo de projeto que adota tanto a visão micro quanto macro para criar sistemas alimentares circulares é o Ligue os Pontos. Trata-se de uma iniciativa colaborativa que fornece alimentos nutritivos aos habitantes de São Paulo, ao mesmo tempo em que apoia sistemas de agricultura regenerativa nas áreas periurbanas e ajuda a combater a desigualdade social.
Em uma visão micro, considerando a microescala, é possível observar que as famílias agricultoras com pequenas propriedades que vivem no entorno do município enfrentam uma série de desafios socioeconômicos, como o aumento da degradação do ecossistema devido à crescente urbanização e a perda de oportunidades de renda. Já ao adotar uma visão macro, afastando-se espacial e socialmente, percebe-se que também existem muitos grupos vulneráveis no centro da cidade, com pouco acesso a alimentos saudáveis e nutritivos. Em paralelo, a seca ameaça cada vez mais as redes de água das quais a cidade depende.
Para enfrentar desafios sistêmicos como esses, a Prefeitura de São Paulo tem trabalhado com atores em toda a cadeia de valor alimentar para implementar ações em diferentes níveis do sistema. Inicialmente focada no fornecimento de alimentos sazonais e de alta qualidade para escolas e cantinas públicas, a iniciativa se comprometeu a adquirir alimentos produzidos de forma orgânica e regenerativa, diretamente dos agricultores locais e a um preço 30% acima do valor de mercado, a fim de incentivar a transição. As refeições nas escolas são elaboradas para usar produtos sazonais e locais – e qualquer alimento que não possa ser usado é compostado e devolvido aos agricultores para fertilizar o solo.
Além das compras públicas, o projeto inclui iniciativas para criar um modelo de negócios abrangente e resiliente, conectando os agricultores a uma ampla gama de compradores no centro da cidade, incluindo mercados de comida de rua, restaurantes e empresas de entrega de alimentos. Por meio do projeto, os agricultores que estiverem fazendo a transição de práticas agrícolas convencionais para a agricultura regenerativa também recebem acesso à educação e assistência técnica. O Ligue os Pontos atua ainda qualificando a infraestrutura rodoviária, garantindo acesso a armazéns e oferecendo incentivos financeiros. Há também programas educacionais e de engajamento para escolas e chefs da cidade. O Ligue os Pontos é um programa local de longo prazo que abrange iniciativas sistêmicas e gera múltiplos benefícios sociais, ambientais e econômicos. Dê uma olhada no mapa da cadeia de valor agrícola local da região.
Ampliar o escopo da geração de valor
Ao ampliar o escopo do que estamos projetando para além do lucro econômico, podemos criar oportunidades de geração de valor que não seriam viáveis na economia linear. O design circular busca projetar intervenções em diferentes níveis de um sistema: produto, modelo de negócios e as condições – ou seja, políticas, finanças e educação – que permitem que esse modelo prospere. Ao fazer isso, moldamos um ecossistema no qual o valor é distribuído.
Trata-se de agregar valor em todas as etapas do processo, mantendo os materiais em uso, aumentando o número de usuários para cada produto e adotando práticas que gerem resultados regenerativos para a natureza.
Para ilustrar as oportunidades de geração de valor dentro de um sistema saudável, a natureza talvez seja o melhor exemplo. Numa floresta, a folha que cai da árvore alimenta a terra, os animais selvagens espalham as sementes e enriquecem os solos e as redes “neurais”' fúngicas redistribuem nutrientes. Plantas, animais selvagens, fungos e bactérias não apenas coexistem, como se beneficiam. Observar essas propriedades dos sistemas naturais pode inspirar a criação de ecossistemas de negócios resilientes e regenerativos.
Ligue os Pontos, São Paulo
Ampliando o escopo da geração de valor
Para a cidade de São Paulo, a implementação de um mecanismo financeiro isolado seria uma solução para os produtores locais – mas seria de curto prazo. Em vez disso, a prefeitura identificou oportunidades para gerar valor em todo o sistema alimentar que trarão benefícios de longo prazo. Ao ampliar o escopo do projeto, o município enfrenta desafios sociais e ambientais tanto no centro da cidade quanto nas áreas periurbanas. Os alimentos produzidos de forma regenerativa na periferia de São Paulo geram lucro para os agricultores, comunidades locais e empresas do centro da cidade. Essas práticas trazem uma série de benefícios, como oportunidades de emprego para a próxima geração de agricultores, e, ao mesmo tempo, melhoram a saúde do solo, ajudando a conter e reverter a perda de biodiversidade e preservar a água potável. Os alimentos orgânicos produzidos de forma regenerativa oferecem ganhos de saúde em longo prazo, em um sistema que promove acesso equitativo à nutrição para populações vulneráveis. Os programas educacionais desenvolvidos pela prefeitura também ajudam a aprofundar conhecimentos e habilidades em sistemas de agricultura regenerativa. Além disso, a infraestrutura adicional construída para apoiar o projeto não apenas fortalece o sistema alimentar como permite que as pessoas nas áreas rurais se desloquem com mais facilidade, unindo ecologia e economia.
Evoluir a partir de feedbacks contínuos
Uma vez que o design circular revela a complexidade do mundo ao nosso redor, encontrar o ponto de partida "certo" pode ser uma tarefa difícil. É importante começar em algum lugar e evoluir com o tempo, pois nunca haverá um checklist ou um conjunto de dados completo. Projetar intervenções que mudem o sistema visando a um futuro melhor não é uma ciência exata. Os sistemas econômicos que estamos projetando têm propriedades emergentes; assim como os sistemas climáticos, acumulam complexidade e evoluem constantemente. Existem muitas incógnitas. Além disso, estamos projetando durante um período de transição em que coexistem tanto a economia linear quanto a economia circular, de forma que pode haver pontos conflitantes entre os incentivos, estruturas e comportamentos do modelo antigo e os do novo.
“Uma das habilidades mais importantes é ser capaz de alternar entre a visão micro (ou sua própria área de especialização) e a visão macro. E, a partir disso, entender, tanto em uma perspectiva espacial quanto oralmente, de que forma o que você está fazendo em um determinado momento pode contribuir para o todo, considerando que esse todo deve estar em transição para um futuro sustentável, equitativo e desejável”. Terry Irwin, diretor do Transition Design Institute
Seja projetando produtos, serviços, os sistemas nos quais estão inseridos ou os processos e políticas nos quais são embasados, incorporar mecanismos para criar ciclos de feedback pode ajudar a acompanhar, medir e avaliar as reações do sistema ao longo do tempo. Isso pode variar de simples entrevistas com usuários até a integração de tecnologias de contabilidade digital.
Essa avaliação dos feedbacks do sistema pode ajudar a aprimorar soluções e revelar novas oportunidades para gerar e ampliar valor para todo o sistema.
Ligue os Pontos, São Paulo
Evoluindo a partir de feedbacks contínuos
O projeto Ligue os Pontos demonstra que o desperdício agrícola e alimentar em todo o sistema ainda é um problema a ser resolvido. Os pilotos iniciais do projeto, embora de importância vital, ainda não são a regra – precisam ser expandidos para toda a região. Demonstrar o funcionamento de um sistema alimentar pode ser um embasamento para outras cidades e governos locais que desejam abordar desafios sistêmicos semelhantes.
Estabelecer condições favoráveis e disponibilizar as ferramentas necessárias para apoiar a mudança é fundamental. Nesse aspecto, o projeto Ligue os Pontos resultou na colaboração com as iniciativas Sampa + Rural e Sis Sampra para construir uma plataforma digital que ajudasse os agricultores a terem acesso a assistência técnica, treinamentos, equipamentos e financiamento. A ferramenta também é fundamental para a coleta e análise de informações em tempo real sobre a produção rural e o monitoramento dos planos de ação. Por meio desses feedbacks contínuos, à medida que o piloto se consolida, o design de ações, políticas, programas e infraestrutura pode evoluir para as necessidades do sistema mais amplo.
O design circular envolve reimaginar completamente nosso sistema atual, em busca de resultados positivos de longo prazo, e começa hoje.
As ações para começar a mudar um sistema podem ser tão simples quanto , de modo que a peça possa ser refeita no futuro. Também pode ser uma ação tomada em âmbito organizacional, como o desenvolvimento de métricas de design circular para equipar os designers com as ferramentas adequadas. Seja qual for o ponto de partida, considere as implicações mais amplas das intervenções no local e ao longo do tempo.
Todos nós temos um papel a desempenhar na concepção de sistemas melhores e que funcionem em longo prazo.
Para ter acesso a outros materiais e atividades para entender, definir, criar e promover inovações circulares, explore o Guia de Design Circular, desenvolvido pela Fundação Ellen MacArthur em parceria com a IDEO, e conheça um conjunto de ferramentas de design circular, da nossa rede e de outras organizações, que pode ajudar você a começar.