Introdução
A transição para uma economia circular é um desafio sistêmico complexo. Navegar por essa complexidade exige empatia. Entender os valores, interesses e motivações dos outros é a base para o sucesso da colaboração. Também é preciso abraçar novas conexões, até então sequer imaginadas – entre pessoas, instituições, indústrias, recursos e informações. Como consequência, é necessário cooperação para gerar um impacto significativo e em escala.
“As empresas inovando entre os diferentes ecossistemas precisam ser incrivelmente criativas em relação aos novos clientes que podem ter, aos novos tipos de parcerias de que podem precisar, aos novos papéis que podem desempenhar.”
Chris Grantham, IDEO Alum (ex-diretor executivo de economia circular)
Qualquer pessoa que já tenha trabalhado em um projeto, seja em uma empresa, no setor público ou para uma pesquisa, sabe que a colaboração é fundamental para o avanço do projeto. No caso da transição para a economia circular, o motivo para a colaboração ser extremamente necessária é que as pessoas ou organizações que promovem inovações de economia circular de forma isolada podem acabar presas nos estágios finais da cadeia de valor, lidando com sintomas da economia linear que parecem inevitáveis.
O design circular nos leva a olhar para o início da cadeia em busca de intervenções – agindo sobre as raízes do problema em vez de apenas sobre os sintomas. O problema é que, à medida que avançamos em direção ao início da cadeia, as inovações necessárias mudam. Por exemplo, em um modelo linear as compras públicas costumam ser um centro de custos. Nas compras públicas circulares, por outro lado, os fornecedores são vistos como parceiros na criação de valor, para além das transações pontuais, e tanto os fornecedores quanto potenciais fornecedores recebem ajuda para consolidar seus negócios em torno de novas demandas. Nessa abordagem circular, as compras se “desmaterializam”, transformando os produtos em serviços que podem ser alugados, reutilizados, revendidos ou compartilhados. Esse modelo traz um desafio mais difuso e pouco familiar.
O autor Dan Heath descreve esse desafio em seu livro, observando que, diferente de um médico que realiza uma cirurgia cardíaca para salvar uma vida, “o trabalho no início da cadeia é uma escolha, não uma demanda… Se alguém não escolher esse trabalho, as causas do problema não serão resolvidas… Os atores capazes de solucionar um problema estão dizendo ‘não é minha responsabilidade resolver essa questão’.”
Portanto, quando se trata de design circular, o imperativo é trazer diversos atores para o processo, permitir que usem seus pontos fortes em prol da interseção de diferentes desafios e apoiá-los na descoberta de novos caminhos e ações para mudar o sistema em diferentes escalas. A colaboração bem-sucedida une um conjunto único de qualidades, expertise, habilidades de fabricação e inovação, recursos financeiros e a influência de uma organização, comunidade ou indivíduo para responder a um determinado desafio de design circular.
“Você não tem como imaginar sozinho como fechar o círculo dos recursos. É preciso reunir equipes diversas, com colaboradores da sua e de outras empresas em sua cadeia de valor, para solucionar o problema juntos. Em 2020, estabelecemos parcerias com a Renault e a Veolia para criar uma bateria totalmente reciclável. Sabíamos que não poderíamos fazer isso sozinhos, mas todos sabíamos que queríamos ver isso acontecer.”
Isabelle Gubelmann-Bonneau, vice-presidente sênior e chefe de economia circular, Solvay
Trabalhar no cenário pré-competitivo e junto a outras organizações pode ajudar a superar barreiras sistêmicas, remover aprisionamentos e aumentar a ambição de forma geral. Criar as condições adequadas para parcerias focadas em uma missão pode facilitar e agilizar a ação conjunta em torno de desafios da economia circular.
“No setor de ambiente construído, para mudar modelos de negócios já consolidados, precisamos influenciar ecossistemas inteiros, não apenas arquitetos e investidores. A Arup estabeleceu relações de trabalho com parceiros nos setores público e privado, com foco no compartilhamento de conhecimento e na colaboração. Trabalhamos com fornecedores, empresas de logística e formuladores de políticas, assim como com parceiros na área de economia circular, como a Fundação Ellen MacArthur, o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável e o Conselho Mundial de Edificações Verdes (World Green Building Council).”
Martin Pauli, líder global de serviços de economia circular, Arup
Na economia circular, a colaboração precisa acontecer entre os atores de uma mesma cadeia valor, entre cadeias de valor e setores diferentes e incluindo atores de outros escopos e âmbitos de atuação, da escala local para a global, de start-ups e PMEs a corporações multinacionais. Conhecer as inovações de nicho mais recentes entre start-ups da economia circular que buscam romper com as normas do sistema linear é uma forma de começar a se aprofundar no cenário global dos negócios circulares emergentes.
São muitas as perspectivas de colaboração – ao longo da cadeia de valor, em arranjos anteriores às etapas competitivas, internamente entre profissionais e equipes. E nem sempre é fácil, especialmente se reconhecermos que vivemos uma transição na qual padrões lineares e circulares vão coexistir por alguns anos. No entanto, profissionais do design já testaram métodos para criar as condições adequadas para que diferentes atores trabalhem juntos. É importante projetar processos, experiências e espaços que estimulem a colaboração e demonstrem e viabilizem a economia circular.
Como proceder
Trabalhe com facilitadores experientes em design de sistemas
Trabalhe com facilitadores experientes na prática de sistemas para projetar ambientes, experiências e processos que reúnam atores estratégicos em torno de uma linha de pensamento comum. Isso pode acontecer, por exemplo, no contexto de um sprint de design no início de uma colaboração, com a facilitação de uma agência de design ou de uma ONG, a fim de formar uma visão mais abrangente do sistema e identificar oportunidades para agir em conjunto. Essas experiências compartilhadas fora do trabalho diário podem ajudar a criar conex ões pessoais e construir relacionamentos de longo prazo, bem como superar barreiras.
Compartilhe os benefícios, os riscos e a responsabilidade pelo projeto
Avalie o potencial do sistema e como cada ator tem um papel diferente para gerar benefícios tanto para o todo como individuais. Os benefícios devem surgir a partir do sucesso do sistema circular como um todo, no qual o resultado final é maior que a soma de suas partes. Da mesma forma, os riscos devem ser compartilhados de forma igualitária entre os atores que trabalham em conjunto em prol de inovações circulares. Por fim, aprofunde-se nas áreas mais ambíguas do ecossistema de valor em vez de ignorá-las, pois cada elemento deve estar alinhado com a visão de longo prazo.
“Se a principal fonte de receita de um fornecedor de café são grandes escritórios corporativos, então a melhor forma pela qual podemos contribuir, em vez de competir com eles, é mostrar como podem oferecer um serviço circular para seus clientes usando nossa empresa como uma plataforma capaz de criar e oferecer novos produtos, feitos a partir de resíduos de café, que podem ser um novo fluxo de receita. E nós ganhamos dinheiro com a venda dos ingredientes aos fabricantes ou, em alguns casos, vendemos os produtos acabados.”
Alejandro Franco, cofundador da Kaffe Bueno
Defina as funções de cada ator
Em uma colaboração envolvendo múltiplos atores, é importante identificar as forças de cada um e aproveitar suas habilidades no contexto do projeto – pode ser uma expertise funcional ou parte de uma ação promocional ou de storytelling. Faça com que cada ator envolvido seja responsável por suas contribuições.
Informe sobre a escala e o contexto
Defina uma escala significativa na qual se possa trabalhar em conjunto no projeto, considerando as características e o ritmo das operações de cada ator e/ou organização envolvidos, bem como sua aptidão para a economia circular (se se trata, por exemplo, de uma start-up nativa de economia circular ou uma organização multinacional linear). Considere os diferentes contextos e ambientes, com padrões, regulações e costumes culturais que podem variar de região para região.
Compartilhe conhecimento e oportunidades de aprendizado avançado
Disponibilize conhecimento, incluindo mapas de sistemas parciais, para que outros possam aprender a partir desse material. Dividir informações com seus pares dentro e fora de sua rede ajuda a criar um ecossistema de reciprocidade baseado no entendimento de que “quanto mais você oferece, mais pode receber”, de forma semelhante ao que acontece com o Open Source e o Creative Commons. Acelerar a transição rumo a uma economia circular passa por evitar a repetição de ideias ou a reinvenção da roda. Oferecer orientação para o envolvimento com as fontes originais, como no caso do Doughnut Economics Action Lab, pode ajudar a manter a integridade das informações e estimular o compartilhamento de aprendizados, histórias e realizações entre a comunidade criativa.
“A Arup entende que tem um papel a desempenhar ao se envolver diretamente com o ecossistema da União Europeia. Iniciativas como o Novo Bauhaus Europeu são caminhos para fazer com que as alternativas circulares se tornem o padrão. Junto com a Taxonomia da UE, elas podem ajudar a incorporar a circularidade em nosso ambiente. O envolvimento com formuladores de políticas e com o setor financeiro é essencial para promover a mudança circular.”
Martin Pauli, líder global de serviços de economia circular, Arup
Em última análise, o início de uma nova colaboração exige planejar espaços de diálogo e entender os pontos de vista, metas e fortalezas de cada ator envolvido a fim de explorar as possibilidades de cooperação. No entanto, uma vez decidido como os atores envolvidos trabalharão juntos, as condições para esse trabalho conjunto precisam ser adaptadas ao arquétipo da colaboração. Arquétipos de colaboração são úteis para estabelecer um terreno comum e criar um senso de entendimento em torno do foco de um projeto específico. Alguns exemplos que pode ser replicados e adaptados a diferentes contextos e setores incluem:
Exemplos
The Jeans Redesign
Liderado por: Fundação Ellen MacArthur
Escopo: Produto
Arquétipo de colaboração: Projeto tipo farol
Abordagem: Um projeto farol no contexto pré-competitivo unindo mais de 100 marcas, fabricantes e recicladores da indústria da moda na criação de diretrizes de design circular para mudar a forma como o jeans é fabricado. Com base nos princípios de uma economia circular, a iniciativa é um plano de ação coletivo para expandir as práticas circulares.
Creating Circular Neighbourhoods
Liderado por: UNEP, Arup, BASE, C40 Cities, Fundação Ellen MacArthur, MASS Design Group, Ministério do Meio Ambiente da Cidade do México, Instituto de Planejamento e Desenvolvimento de Praga
Escopo: Bairro
Abordagem: Um projeto colaborativo para inspirar atores municipais (comunidades, governos e empresas) a dar início a atividades de economia circular na escala dos bairros, nos sistemas de construção, servitização e alimentação. A escala dos bairros pode ser um ambiente de testes poderoso para soluções circulares, funcionando como um laboratório vivo dos comportamentos e interações de uma comunidade com sistemas mais amplos.
CityLoops
Liderado por: ICLEI Europa
Escopo: Cidade
Abordagem: Um consórcio de sete cidades europeias, sob coordenação do ICLEI, tem testado projetos de demonstração para eliminar dois dos principais fluxos de resíduos da Europa: os resíduos de construções e demolições e os biorresíduos. A fase inicial do planejamento participativo inclui o mapeamento e a análise dos atores estratégicos. As soluções são implementadas na fase de demonstração com o intuito de serem replicadas em escala regional ou no âmbito de todo o continente europeu. Mais de 30 novos processos e ferramentas têm sido testados, de instrumentos de dados a ferramentas de visualização 3D para simular impactos e diretrizes de compras para produtos feitos a partir de biorresíduos. Um aspecto-chave é tornar os dados visíveis, romper os silos, contextualizar as ações de demonstração e criar uma análise de base para uma melhor compreensão do todo no setor de resíduos, embasar a formulação de políticas e promover e ampliar ações circulares na origem da cadeia.
RePack for e-commerce
Liderado por: RePack
Escopo: Sistema produto-serviço
Arquétipo de colaboração: Redesenho do sistema por novos atores
Abordagem: A RePack é um modelo de negócios circular nativo que utiliza estratégias de design circular em diferentes níveis, tanto no âmbito do design de produtos e materiais (por exemplo, padronização, rastreamento digital do produto, monomaterial) como no âmbito de modelos de negócios (por exemplo, oferecer um modelo reutilizável de produto como serviço).
A RePack revolucionou a indústria de embalagens e e-commerce primeiro em Helsinque, como uma start-up cujo modelo de negócios é baseado em princípios de economia circular e atende a uma necessidade fundamental dos atores do sistema existente: eliminar o desperdício de embalagens e e-commerce.
Svenska Retursystem
Liderado por: Associação Comercial de Mercearia da Suécia e Associação Sueca de Varejistas de Alimentos e Bebidas
Escopo: Setores de alimentos e embalagens
Arquétipo de colaboração: Redesenho do sistema a partir da mudança de funções entre os atores existentes
Abordagem: Svenska Retursystem, SRS, é um sistema de pooling circular inteligente para a indústria alimentícia sueca. A missão da SRS é tornar a cadeia de abastecimento de alimentos e bebidas mais eficiente e melhor para o meio ambiente. A ideia do sistema de pooling é que a distribuição de alimentos e bebidas ocorra em engradados e paletes reutilizáveis, em vez de embalagens descartáveis. Produtores de alimentos, atacadistas, lojas e restaurantes compartilham as mesmas caixas e paletes reutilizáveis, e mais de 50% de todos os produtos frescos na Suécia são entregues em caixas reutilizáveis. A eficácia do sistema se deve à colaboração em toda a indústria e ao design padronizado de alta qualidade que permite sistemas de embalagem precisos, automação, reduz os custos de transporte e o risco de danos aos alimentos. A SRS faz parte do modelo de economia circular há 25 anos, eliminando o desperdício e maximizando a criação de valor.
Próxima: Desenvolver habilidades em design circular
Furando a bolha dos recursos de design circular para distribuir e conectar o conhecimento entre equipes, funções e departamentos dentro de uma organização.