Introdução
Para focar em esforços criativos, os designers costumam operar dentro de restrições ou limites. As próprias normas (políticas, princípios e diretrizes) são planejadas e estabelecidas por diferentes entidades em busca de um determinado resultado.
“Como profissionais de design, se compreendermos os mecanismos que influenciam as regulações, podemos contribuir para mudar as normas. Nossa principal habilidade é a criatividade, e não devemos nos limitar em relação a como utilizá-la.”
Helle Ullerup, designer de serviço sênior, Philips
Quando reconhecemos que essas limitações também foram projetadas, podemos começar a explorar como formar e aplicar novos conjuntos de normas para os diferentes níveis do sistema e em que áreas as normas já existentes podem ser revisadas. Podemos acelerar a mudança se as regras do jogo facilitarem a incorporação dos princípios de uma economia circular.
Essas políticas, princípios e diretrizes podem vir de diferentes fontes, muitas das quais são relevantes para a economia circular, e podem ser influenciadas por lideranças da área do design em busca de implementar um modelo circular.
De forma pragmática, as equipes podem usar diretrizes de design circular para determinar atributos como composição material, durabilidade, reparabilidade e interoperabilidade. Podem ajudar a reduzir a incerteza e avaliar as compensações durante o desenvolvimento de novos produtos e serviços circulares.
“Nós estabelecemos nossos princípios de design circular articulando o que o design circular implica para a DS Smith em nossa própria área. Utilizamos alguns de nossos trabalhos anteriores sobre reciclagem e conteúdo reciclado, mas avançamos para incluir silvicultura, governança etc. E então treinamos todos os 700 designers da empresa em relação a esses princípios, de forma que agora estão aptos a relacionar seu próprio trabalho com a ambição da jornada de circularidade para nossos clientes.”
Alan Potts, ex-diretor de design e inovação, DS Smith
Em um cenário mais amplo, a maioria das organizações se beneficiará de adaptar os princípios da economia circular para que possam se encaixar à linguagem, abordagem e objetivos da própria organização. Os atores podem reunir representantes de diferentes unidades, lideranças, funções, entidades e grupos de trabalho para cocriar princípios de design organizacional que possam ser implementados nas atividades diárias. Por exemplo, uma empresa de alimentos pode partir do princípio de “circular produtos e materiais” e criar princípios de design que incentivem a criação e o uso de ingredientes transformados, enquanto uma empresa de embalagens pode focar seus esforços em promover o reúso. Em um nível mais alto, os princípios da economia circular podem inspirar as organizações a redesenhar seus valores.
Em uma visão ainda mais macro, as políticas influenciam o que os designers podem criar. Uma política, em essência, é um conjunto de normas que nivela a área de atuação e ajuda os atores a “falar a mesma língua” – e, com isso, pode ter um impacto sistêmico poderoso. Muitos designers agem em resposta a diretrizes políticas, mas outros têm a oportunidade de influenciar as próprias políticas, seja por meio de um consórcio de empresas, de um processo de cocriação com o setor público ou a partir do envolvimento direto com o planejamento de políticas.
Em última análise, essas forças influenciam o próprio briefing do projeto, que é o formato mais comum a partir do qual um designer recebe as orientações para seu trabalho. Os briefings ditam como os designers, engenheiros e outros especialistas trabalham – o que deve ser feito e priorizado. Então, se quisermos ver mais inovações que apoiem a transição para uma economia circular, precisamos repensar o que aparece nos briefings.
Ajustar as normas exige tempo, energia e recursos – é uma luta contra o status quo, o que significa que sempre haverá interesses conflitantes. Políticas que impactam muitas organizações, indústrias e regiões envolvem um processo de desenvolvimento complexo, devido à participação de uma ampla gama de atores. No entanto, são as que oferecem mais potencial de alinhamento e mudanças sistêmicas. As políticas no nível macro também reforçam a confiança dos atores envolvidos, uma vez que podem contar com o fato de que todos operam em igualdade de condições. E, para novos atores, também é mais fácil unir forças à medida que as restrições e os padrões ficam mais claros.
Essas novas políticas, princípios e diretrizes são um novo briefing – abrindo oportunidades para os profissionais da criação promoverem inovações adequadas para uma economia circular que seja regenerativa desde o design e atrativa para as pessoas. Essas normas ajudam a estabelecer um alinhamento entre países e indústrias em torno de metas comuns de economia circular – influenciando a governança, modelos de propriedade e os mecanismos de financiamento que podem levar a uma mudança sistêmica. Isso também ajuda a definir o que é o sucesso em diferentes níveis do sistema, seja em um determinado setor, organização ou função.
Como proceder
Adapte os princípios da economia circular conforme o contexto
Interno: transforme os princípios da economia circular em um conjunto de princípios e diretrizes de design, em âmbito organizacional, para aplicar uma estrutura de economia circular no planejamento cotidiano de materiais, produtos e serviços. Use processos participativos para reunir representantes de todos os setores, funções, grupos de trabalho e lideranças da empresa para cocriar os princípios e/ou diretrizes – gerando adesão interna e mobilizando recursos desde o início. Estabeleça definições claras para cada princípio com documentos de embasamento (detalhes, evidências, taxonomia e exemplos).
Externo: considere o ambiente regulatório local, nacional e internacional ao projetar princípios e diretrizes de design circular. Novas exigências legislativas como a Diretriz de Ecodesign da União Europeia, que estabelece requisitos de composição material, reusabilidade e reparabilidade dos produtos, ou a exigência de Passaporte de Produto Digital, tendem a influenciar quais áreas de inovação serão priorizadas.
Verifique o portfólio de projetos existentes
Interno: analise os portfólios de materiais, produtos e serviços já existentes para criar um entendimento básico de como as ofertas atuais apoiam a visão e as metas estratégicas circulares. Aproveite a oportunidade para testar os princ ípios e diretrizes de design circular e identificar o que precisa mudar para levar a organização em direção a suas metas. A IKEA, por exemplo, avaliou os mais de 10 mil produtos que oferece. “Vemos claramente que produtos feitos com menos materiais, que podem ser separados com facilidade, são melhores para os fluxos circulares. Também vemos que a padronização em tipos de encaixes, acabamentos e tamanhos auxilia muito no potencial circular de um produto.” Simon Skoog, líder de projeto, IKEA, Inter IKEA Group
Externo: explore atividades de economia circular fora da organização para pesquisar boas práticas e entender como inovações em diferentes áreas de de ciclos circulares de materiais podem ser adequadas a seu próprio contexto. Esse processo pode ser uma boa ferramenta de inspiração, assim como um catalisador de debates e eventualmente ações para adaptar os princípios a diferentes contextos socioeconômicos.
Envolva os profissionais
Interno: envolva profissionais de todos os níveis da organização para promover a conscientização e apoiar as equipes de criação na aplicação dos princípios e diretrizes para que se tornem naturais, incluindo a criação das ferramentas necessárias para que isso aconteça. Promova a conscientização realizando desafios de criação internos, como criar uma identidade visual para os princípios de design circular. Estabeleça ciclos de feedback com as equipes de design para iterar os princípios e diretrizes do design circular a fim de aprimorá-los e refiná-los ao longo do tempo.
Externo: dialogue com formuladores de políticas em âmbito local, nacional e internacional para influenciar as condições regulatórias de design – por exemplo, participando de coalizões de design como o Novo Bauhaus Europeu – e ofereça embasamento para práticas internas de design, mantendo-se atento a futuras mudanças políticas que podem impactar decisões de design, como o Direito de Reparar.
“Desde 2020, temos um Plano de Engajamento em prática para influenciar ativamente o ecossistema na União Europeia. Dialogamos com todos os diretores-gerais para criar as condições adequadas para que a economia circular prospere. Fazemos isso respondendo pesquisas políticas e participando de novas coalizões, como o Novo Bauhaus Europeu, focado em projetar futuros inclusivos e sustentáveis. Tentamos constantemente avançar em direção à origem da cadeia e influenciar tanto formuladores de políticas quanto investidores.”
Martin Pauli, líder global de serviços de economia circular, Arup
Exemplos
Latin America and Caribbean Public Initiatives Map
Autoria: Coalizão América Latina e Caribe
Escopo: Política regional
Propósito: Mapear e monitorar as iniciativas públicas de economia circular na América Latina e no Caribe
Abordagem: A plataforma foi criada para gerar diálogos e impulsionar os processos de tomada de decisão sobre políticas de economia circular em toda a região. O mapa é uma fonte de consulta sobre as atividades de economia circular em cada país e oferece uma abordagem de design harmonizada e alinhada para as políticas circulares.
Circular Design Principles
Autoria: DS Smith
Escopo: Princípios organizacionais
Propósito: Desenvolver princípios de design circular para transformar a estrutura de economia circular em soluções de embalagem
Abordagem: A equipe de designers da organização criou cinco princípios cobrindo a criação, manutenção e recuperação das embalagens. Os princípios de design circular ajudam a colocar pontos estratégicos em prática ao longo do processo de design e a se comunicar com os consumidores.
Financial Product Guidelines: eligibility criteria for the circular economy plafond credit facility
Autoria: Intesa Sanpaolo
Escopo: Diretrizes de produtos financeiros
Propósito: Desenvolver diretrizes que viabilizem a tomada de decisões em relação ao financiamento de novos projetos de economia circular.
Abordagem: Cada categoria dentro da estrutura explora critérios de elegibilidade, benefícios pretendidos e sua relação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Os cinco critérios incluem: extensão dos ciclos de vida dos produtos; usar insumos renováveis e/ou reciclados; aumentar a eficácia e eficiência do consumo de recursos; projetar para reciclagem e compostagem; usar tecnologias inovadoras para permitir modelos de negócios circulares. Uma equipe de especialistas em economia circular do Centro de Inovação do Intesa Sanpaolo avalia o nível de circularidade dos investimentos dos clientes.
IKEA Circular Product Design Principles
Autoria: IKEA
Escopo: Diretrizes de produtos
Propósito: Desenvolver princípios de design para transformar as metas de economia circular de longo prazo da IKEA em critérios de design de produtos.
Abordagem: Os princípios de design de produto circular são critérios de design que permitem que as capacidades circulares inerentes dos produtos durem o máximo possível – por meio da reutilização, reforma ou repasse do produto. O objetivo é que eventualmente os produtos se tornem recursos para a fabricação de novos produtos por meio dos processos de refabricação ou reciclagem.
Próxima: Desenvolver ferramentas para projetar e avaliar
Desenvolver as ferramentas de design necessárias para tomar melhores decisões e mensurar nosso progresso.