Introdução
Mapear um sistema é trazer à superfície os diferentes elementos que o constituem, assim como suas interconexões e interdependências. Ao observar sistemas relacionados à economia circular, elementos comuns incluem atores, atividades, eventos, recursos, informações, políticas, incentivos e os fluxos e relações entre eles – todos os quais precisam ser analisados dentro do contexto geral. Esse processo revela forças sutis que influenciam o sistema em questão e mostra por que pode gerar determinados resultados positivos ou negativos.
Afirma-se que “todo sistema é planejado exatamente para obter os resultados que obtém” – sendo assim, é sempre bom perguntar: como o sistema que você está analisando funciona da forma como funciona hoje? Quando os designers observam e interpretam o sistema, desenvolvem uma compreensão de como esse sistema evoluiu ao longo do tempo, além de avaliar suas forças, restrições e particularidades. Por exemplo, para uma organização que utiliza materiais de base biológica, ter uma “vista aérea” do ciclo de vida produto pode permitir identificar que a falta de infraestrutura adequada impede seus produtos de se biodegradarem por completo.
Além disso, aproveitar os atributos e forças que já fazem parte de um sistema pode ser uma maneira efetiva de gerar impacto a partir de uma mudança menor. No caso da Orongo Cattle Station (Estação de Gado de Orongo), por exemplo, quando a equipe de design mapeou e integrou três camadas inter-relacionadas – a paisagem da fazenda, o contexto cultural e a restauração ecológica –, conseguiram promover a transformação da estação, uma fazenda de três mil acres na costa da Nova Zelândia, em um dos ecossistemas mais ricos e biodiversos da região.
Localizar uma organização, um material ou um ativo dentro de um contexto mais amplo pode revelar as oportunidades ou pontos de intervenção mais impactantes para começar a transição de um modelo linear para um circular.
Mapear os fluxos materiais dentro de uma cidade, cadeia de valor ou indústria vai mostrar onde os materiais são perdidos na economia. Essa informação oferece um ponto de entrada a partir do qual investigar as oportunidades em direção ao início da cadeia a fim de eliminar os resíduos, circular os produtos e materiais e regenerar a natureza.
“O design tem caminhado na direção errada – tentando isolar o problema em vez de mostrar toda a sua complexidade. Dessa forma nós fixamos uma solução a um problema isolado.”
Bruce Mau, designer, autor e fundador do Bruce Mau Design Studio
O processo também ajuda a identificar colaboradores relevantes ou pontos focais para colaboração. Por exemplo, muitas marcas de roupas podem não trabalhar juntas em relação ao design das peças, mas podem colaborar para ampliar a seleção de materiais a partir de fontes regenerativas, o uso de embalagens reutilizáveis ou a disponibilização de infraestrutura digital para permitir modelos de negócios baseados no aluguel das peças. De forma semelhante, a parceria com colaboradores em diferentes setores do sistema tende a mostrar que outros atores possuem soluções parciais ou uma peça diferente do quebra-cabeça. Explorar essas conexões evita que as organizações tentem reinventar a roda ou fazer tudo sozinhas.
“Você não pode traçar uma estratégia até compreender a complexidade do sistema.”
Chris Grantham, IDEO Alum (ex-diretor executivo de economia circular)
Talvez o ponto mais importante: quando as organizações entendem os sistemas dos quais fazem parte – tanto as próprias dinâmicas internas quanto as de sua indústria ou região –, tornam-se mais aptas a agir de forma sistêmica e estratégica. Uma visão geral do sistema evita esforços isolados que podem ser ineficazes e ajuda a identificar possíveis efeitos reversos ou consequências não intencionais. A compensação de carbono, por exemplo, visa compensar as emissões de carbono; no entanto, se não for planejada de forma holística, pode comprometer outros aspectos, como a biodiversidade ou a qualidade do ar.
“A questão é manter a complexidade em seu máximo. No design, geralmente gostamos de reduzir e refinar o briefing. Manter a complexidade significa entender que a complexidade ainda existe.”
Cat Drew, diretora de design, Conselho de Design
Qualquer um pode começar a mapear sistemas – basta selecionar um material, produto ou serviço e perguntar: o que acontece a seguir e por quê? No entanto, as habilidades dos profissionais do design permitem que as organizações cheguem a observações mais ricas e interpretações mais atentas das dinâmicas do sistema. As atividades com as quais as equipes de design são familiarizadas – como pesquisas, jornada ou experiência do usuário e mapeamento de processos de serviço – ajudarão as organizações a acelerar a transição rumo a uma economia circular.
Como proceder
Defina o que está “dentro” do sistema
Delimitar fronteiras em torno de um sistema desde o início pode ajudar a administrar suas complexidade e criar pontos de entrada a partir dos quais começar o mapeamento. O escopo do sistema pode ser tão amplo ou pequeno quanto a questão ou o briefing definirem. Por exemplo, o foco pode ser uma cadeia de valor, uma empresa, uma região ou um bairro.
“Não existem sistemas separados. O mundo é um continuum. Não há um limite único e legítimo que pode ser traçado em torno de um sistema. Nós precisamos inventar fronteiras para manter a clareza e a sanidade; e essas fronteiras podem gerar problemas quando esquecemos que fomos nós que as criamos, artificialmente. Onde traçar o limite em torno de um sistema depende do propósito da discussão – das perguntas que queremos fazer.”
Donella Meadows, cientista ambiental e pensadora de sistemas
Meadows, D. Thinking in Systems: A primer (2008)
Faça um mapeamento do sistema
Explore os fluxos e trocas materiais dentro do sistema. Quando ocorre vazamento de material e quando práticas prejudiciais degradam os ecossistemas naturais? Identifique grupos de atores estratégicos dentro do sistema – sua aptidão para a economia circular e as interações entre esses atores. Em que pontos seus objetivos se sobrepõem? Quais forças estão conduzindo uma mudança de paradigma rumo a um modelo circular e quais mantêm os sistemas lineares funcionando? Observe em que pontos do sistema já acontecem atividades de economia circular. Como podemos melhorar os esforços existentes e onde falta inovação?
Garanta representatividade e inclusão
Inclua perspectivas diversas – seja de negócios locais, cidadãos ou usuários – no mapeamento dos sistemas para garantir visibilidade a necessidades, interesses, desafios e expectativas desde o início. Fazer isso vai revelar oportunidades importantes de economia circular, permitir o planejamento participativo das intervenções e evitar que grupos minoritários sejam ignorados posteriormente, na etapa de tomada de decisões.
“Observar um sistema a partir de diferentes perspectivas implica entender a agência de cada organização dentro desse sistema, seus pontos de vista e suas relações com o sistema. Fazer perguntas como “o que é importante para essas organizações?”, “que objetivos estão tentando alcançar?”, “o que isso significa em termos de como vão se reorientar?” vai ajudar a criar um entendimento comum.”
Joanna Choukeir, diretora de design e inovação, The RSA
Exemplos
Doughnut Design for Business
Autoria: Doughnut Economics Action Lab
Escopo: Organização
Propósito: Uma ferramenta para as empresas explorarem as cinco camadas do design e identificarem barreiras organizacionais para as transformações necessárias para redesenhar o modelo de negócios e liberar seu potencial.
Método / abordagem: O workshop, orientado à ação, permite que as empresas avaliem a configuração atual de seus negócios por meio de cinco camadas de design: propósito, redes, governança, propriedade e financiamento. O workshop ajuda a gerar ideias transformadoras para redesenhar os negócios em prol de uma economia regenerativa e distributiva.
Glasgow Circle City Scan
Autoria: Câmara do Comércio e Economia Circular de Glasgow em parceria com o Conselho Municipal de Glasgow e a iniciativa Zero Waste Scotland
Escopo: Cidade
Propósito: Um exercício de mapeamento de sistemas para avaliar oportunidades de tornar uma cidade mais circular, apoiar os negócios locais e identificar por onde começar.
Método / abordagem: Os mapas espaciais exploram os impactos econômicos e ambientais de fluxos de materiais em setores-chave (saúde, educação, produção) e a distribuição geográfica de grupos de atores estratégicos em Glasgow.
A Nova Economia do Plástico: repensando o futuro do plástico e catalisando ações
Autoria: Fundação Ellen MacArthur
Escopo: Indústria do plástico
Propósito: Um exercício de mapeamento de sistemas para entender os atuais processos de produção, consumo e vazamento dos plásticos na economia.
Método / abordagem: O estudo analisa os fluxos de materiais para descrever o alto nível de urgência no que diz respeito à indústria de plásticos. Para isso, o documento mapeia o crescimento histórico e potencial da produção de plásticos, os diferentes tipos de plásticos e seu uso, o vazamento de valor entre os sistemas, as significativas externalidades negativas associadas à produção dos plásticos, as previsões de uso e os esforços de inovação atuais. Assim, o estudo apresenta um panorama mais claro das oportunidades existentes, o que levou à criação de uma visão para a Nova Economia do Plástico.
Rethink Fashion
Autoria: The RSA
Escopo: Indústria da moda
Propósito: Um exercício de mapeamento de sistemas para imaginar o futuro da moda em diferentes níveis de sistema.
Abordagem: O mapa usa a perspectiva multinível – uma estrutura de transição proeminente (Geels) – para avaliar tanto a microescala da indústria da moda, na qual ideias, práticas e inovações pioneiras operam juntas e de forma intencional para influenciar instituições, sistemas de financiamento e organizações, quanto a macroescala, envolvendo leis, regulações e normas sociais.
Próxima: Imaginar futuros circulares
Imaginar futuros circulares e regenerativos em diferentes escopos, como os produtos alimentícios que comemos, a forma como os negócios circulares podem operar ou a maneira como uma cidade circular pode funcionar.